Mesmo com Congresso mais conservador, reduzir maioridade penal será complicado

justiça

Por Sérgio Rodas – Domingo, 16 de outubro de 2022

O presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou na última quinta-feira (13/10) que, se for reeleito, buscará aprovar a redução da maioridade penal — atualmente em 18 anos. A formação de um Congresso Nacional bastante conservador, resultado da eleição do começo deste mês, dá força a essa ideia, mas é certo que a reação no Legislativo será expressiva, e juristas afirmam que a alteração só poderia ser feita por uma nova Constituição. 

Jair Bolsonaro voltou a defender na última semana a redução da maioridade penal
Isac Nóbrega/PR

“O Congresso eleito atualmente foi muito mais para a centro-direita. Então, pautas como a redução da maioridade penal, obviamente, caso eu seja reeleito, nós implementaremos e podemos dizer, sim, (que) temos muita chance de aprovar a redução da maioridade penal”, disse Bolsonaro. Ele também defendeu que adolescentes “responsáveis” tenham direito à Carteira Nacional de Habilitação — o que, hoje, só cabe a quem tem mais de 18 anos.

Em 2023, o Congresso terá mesmo uma tendência à direita. Partido de Bolsonaro, o PL possuirá as maiores bancadas da Câmara dos Deputados (99 integrantes) e do Senado (14). Levantamento feito pelo site Congresso em Foco aponta que 40 dos 81 senadores que iniciarão a legislatura no ano que vem têm, em princípio, alinhamento com Bolsonaro. Na Câmara, a coligação do presidente terá 187 representantes.

Há diversos projetos no Congresso que diminuem a maioridade penal. A Proposta de Emenda à Constituição 115/2015, por exemplo, reduz a idade de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. O texto está em análise na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, mas aguarda a designação de um relator desde dezembro de 2019.

Em 2015, a Câmara, em uma manobra de seu então presidente, Eduardo Cunha, aprovou, em primeiro turno, um substituto à PEC 171/1993 com o mesmo teor da PEC 115/2015 — a proposta original diminuía a maioridade penal para todos os crimes. Contudo, os deputados rejeitaram o projeto em segundo turno.

Jair Bolsonaro é entusiasta da redução da maioridade penal há tempos. Em agosto de 2019, o presidente declarou que pediria ao Senado que acelerasse a tramitação da PEC 115/2015. O assunto voltou à tona em abril deste ano, quando o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, afirmou ao site Poder 360 que a proposta teria um “foco muito especial” do governo. Nada mudou na tramitação do projeto, contudo.

Embora essa pauta seja de grande interesse de Bolsonaro, ela pode ser aprovada ainda que Luiz Inácio Lula da Silva se eleja presidente no próximo dia 30, por causa da maioria de parlamentares de direita no Congresso. O deputado federal reeleito Marcos Pereira (Republicanos-SP) avalia que a medida tem chances de ser efetivada, independentemente do presidente. Isso porque a alteração tem de ser feita via emenda constitucional, que não pode ser vetada pelo chefe do Executivo.

O ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (PSDB-RJ) ressalta que a redução da maioridade penal “é uma pauta com muito apoio, e não apenas entre conservadores”. Ele opina que, em um terceiro governo Lula, a aprovação da redução da maioridade penal vai depender do presidente do Senado.

O atual ocupante do cargo, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é um político de centro, neutro em relação a Jair Bolsonaro. Ele deve tentar a reeleição, mas terá concorrentes fortes, como as ex-ministras do governo Bolsonaro Tereza Cristina (PP-MS) e Damares Alves (Republicanos-DF). Na Câmara, o atual presidente, deputado reeleito Arthur Lira (PP-AL), deve conquistar um novo mandato no começo de 2023.

No entanto, Maia destaca que Bolsonaro não costuma concretizar suas promessas, e, por vezes, nem se esforça para isso. “Ele (Bolsonaro) poderia ter trabalhado para aprovar (a redução da maioridade penal) nos últimos quatros anos, o presidente do Senado era seu aliado (Davi Alcolumbre). Aliás, não aprovou nada daquilo que prometeu, começando pela correção da tabela do Imposto de Renda.”

A deputada federal reeleita Natália Bonavides (PT-RN) afirma que o bolsonarismo focou bastante no Legislativo, com o objetivo concreto de “continuar com o pacote de maldades que eles começaram a implantar desde o golpe de 2016”.

“Mesmo que Bolsonaro perca as eleições, temos um Congresso duro, conservador e bolsonarista, que tentará empurrar sua agenda de retrocesso. Se (a redução da maioridade penal) vai passar, não saberemos. Mas eles tentarão ao máximo, usando de todos os artifícios criminosos, como as notícias falsas. Será necessária uma bancada forte para se opor, e que dê respostas à sociedade, que, por sua vez, também precisará participar de todos os debates”, analisa Natália.

Por sua vez, Paulo Teixeira (PT-SP), que será suplente de deputado federal a partir de janeiro, garante que a medida não será aprovada. Afinal, segundo ele, Lula será eleito presidente e construirá uma maioria no Congresso, apesar do grande número de parlamentares de direita nas duas casas.

Deputado federal por 11 mandatos — inclusive na Assembleia Constituinte —, Miro Teixeira (PDT-RJ) acredita que “a reação social lúcida impedirá a aprovação, porque a criminalidade precisa de combate livre de farsas”.

“O assunto é antigo e nunca houve consenso porque não há base técnica ou científica que determine a idade a partir da qual se pode distinguir o certo do errado. Nem se essa imputabilidade é mensurável pela idade do agente. Alega-se que, pela regra da responsabilidade penal a partir dos 18 anos, o crime alicia seus soldados entre os que não atingiram tal idade. E se reduzir para 16? A atividade criminosa começará aos 15?”, questiona Miro Teixeira, que também ficou como suplente na Câmara nessas eleições.

O pedetista observa que, se a diminuição da maioridade penal for aprovada, haverá um aumento da população carcerária, especialmente de negros e pobres.

Cláusula pétrea
A maioridade penal é uma cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988. Portanto, só pode ser alterada por uma nova Carta Magna, e não por emenda constitucional. Essa é a análise do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Em sua opinião, exposta na obra Direitos humanos fundamentais — teoria geral (editora Atlas), a fixação de que a responsabilidade criminal dos jovens começa aos 18 anos, prevista no artigo 228 da Constituição, é uma garantia individual das crianças e dos adolescentes prevista fora do rol exemplificativo do artigo 5º. Portanto, trata-se de cláusula pétrea, que só pode ser modificada com a elaboração de uma nova Constituição.

Deputado estadual em São Paulo em três legislaturas e ex-presidente da Assembleia Legislativa, o procurador de Justiça Fernando Capez (União Brasil) lembra que o artigo 60, parágrafo 4º, da Constituição estabelece que a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes; e os direitos e garantias individuais não poderão ser objeto de deliberação em proposta de emenda constitucional tendente a abolir ou mitigar seus efeitos. Além disso, o parágrafo 2º do artigo 5º estende a especial proteção reservada aos direitos e garantias fundamentais para aqueles que não estão elencados no Título II da Carta Magna, entre os quais o contido no artigo 228: “São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas de legislação especial”.

“Como nos ensinam as lições elementares de Direito Constitucional, as cláusulas pétreas somente podem ser modificadas pelo poder constituinte originário, responsável por revogar a Constituição até então vigente e inaugurar um novo sistema constitucional. Para tal, seria necessária a eleição de membros do Poder Legislativo com a específica finalidade de formar uma Assembleia Nacional Constituinte, o que não é o caso. Há também a possibilidade de revisão de cláusulas pétreas por meio de plebiscito ou referendos, meios de exercício da soberania popular disciplinados na Constituição (artigo 14) e na Lei 9.709/1998, que se equiparem ao poder constituinte originário”, explica Capez.

“Mesmo que a próxima legislatura venha a aprovar a proposta de emenda constitucional que estabeleça nova idade para a maioridade penal, nada impede que o Supremo Tribunal Federal venha a se manifestar por meio de uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade), que verificará a compatibilidade formal e material da proposta aprovada com os mandamentos da Constituição Federal. Desse modo, a redução da menoridade penal não poderá ser feita mediante exercício do poder constitucional de revisão ou reforma, ou seja, mediante emenda constitucional. Somente uma nova Constituição ou um instrumento com a legitimidade de um plebiscito será capaz de autorizar tal mudança, salutar em seu mérito”, opina o ex-deputado.

Fonte: Conjur

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