Redes sociais promovem banalização do diagnóstico de transtornos mentais

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A psicóloga Clarissa Mendonça Corradi Webster enfatiza que o diagnóstico de qualquer transtorno mental é complexo e muito cuidadoso e deve ser feito por profissionais

Radio USP

Por Ana Beatriz Fogaça – Segunda, 5 de junho de 2023

Transtornos mentais podem ser diagnosticados em 60 segundos? Com a popularização do TikTok, conteúdos rápidos e que prometem realizar o diagnóstico de doenças como depressão, borderline e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ganham cada vez mais espaço. Os vídeos seguem normalmente a mesma lógica, o usuário rola a tela do celular e lá aparece uma lista de possíveis sintomas. Se a pessoa se identificar com determinada quantidade, o diagnóstico está fechado.

Clarissa Mendonça Corradi Webster – Foto: The Taos Institute/Reprodução

O alcance desse tipo de conteúdo é gigantesco. A psicóloga Clarissa Mendonça Corradi Webster, professora do curso de Psicobiologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, conta que a #anxiety (ansiedade em português) registrou mais de 11 milhões de visualizações até o começo de 2022 e a #TDAH, mais de 9 milhões. São temas que geram muito engajamento, mas que não têm nenhuma fiscalização sobre sua veracidade. “Esta é uma combinação ruim, conteúdos de saúde mental complexos produzidos de forma simples, rápida e de modo sensacionalista na busca de engajamento”, completa a psicóloga.

Quando realizado por médicos especialistas, o diagnóstico de transtornos mentais deve ser feito através de uma entrevista ou várias entrevistas com o paciente, na tentativa de coletar dados baseados na observação de como a pessoa se comporta. As entrevistas levam em conta os relacionamentos interpessoais do indivíduo, a maneira de conversar, vivências atuais e passadas, além de investigar áreas como pensamento, humor e impulsividade.

“Nós, enquanto profissionais, buscamos conhecer aspectos da sua história que podem ajudar a esclarecer traços de temperamento que podem influenciar no diagnóstico”, conta Clarissa. Familiares e professores também podem ser consultados para que o diagnóstico seja completo, além do acompanhamento do quadro durante determinado período. A psicóloga pontua que o diagnóstico de qualquer transtorno mental é complexo e muito cuidadoso e deve ser feito por profissionais.

Conteúdos enganosos

Um estudo publicado em 2022 analisou 100 vídeos com a #ADHD (Attention Deficit Hyperactivity Disorder) e concluiu que 52% deles caíram na categoria enganosa. Os demais vídeos totalizavam 27% de relatos compartilhando experiências pessoais e 21% foram classificados como vídeos úteis, ou seja, a minoria deles.

Dos 52 vídeos definidos como enganosos, 37 atribuíam de forma incorreta sintomas psiquiátricos comuns, que existem em vários outros transtornos, e não somente no TDAH. “Sintomas como ansiedade, oscilações de humor, como depressão, raiva, conflitos de relacionamento, que estão presente em vários quadros, foram atribuídos ao TDAH. Ou seja, se você sente isso você tem esse transtorno”, exemplifica a psicóloga.

Outro aspecto importante que a pesquisa levanta é que nenhum dos vídeos categorizados como enganosos sugeriu que o receptor da mensagem, que estava assistindo ao vídeo no TikTok, procurasse ajuda psicológica. “Ou seja, se o produtor de conteúdo partiu do pressuposto de que o que disse é realmente verdade, então ele teria que terminar com a recomendação que o usuário procure um profissional, mas não é o que acontece”, acrescenta a especialista.

Relativização dos transtornos 

Clarissa alerta que, ao banalizar o diagnóstico, o sofrimento também é banalizado. “Cada vez mais, experiências comuns são tratadas no dia a dia com o nome de diagnósticos. Por exemplo, a gente acaba não falando mais que está triste e sim deprimido, ou então se estamos felizes nós dizemos que estamos maníacos. Se percebemos uma variação de humor, já denominamos bipolar.” Ao utilizar de maneira trivial esses termos, as possibilidades de lidar com os transtornos são reduzidas, assim como as chances de ampliar a compreensão sobre eles. 

O estudo citado anteriormente avaliou também quem eram os autores dos vídeos e descobriram que 89 deles foram feitos por pessoas que não eram profissionais da saúde. Ou seja, um número enorme de conteúdo que ensinava a diagnosticar o TDAH foi feito por pessoas despreparadas profissionalmente. “Dessa forma, fica na mão do usuário selecionar os vídeos que têm ou não credibilidade”, conta a psicóloga.

Nesse cenário, uma outra pesquisa,  que avaliou a rede de usuários do TikTok, mostrou que metade deles é composta de jovens. Em 2021, foi identificado que 25% dos usuários da rede tinham entre 10 e 19 anos e 23% entre 20 e 29 anos. Os números mostram uma quantidade enorme de adolescentes que estão em processo de construção de identidade e que procuram muitas respostas sobre questões de vida, encontrando de maneira fácil vídeos que prometem um diagnóstico para doenças tão sérias e complexas.

Fonte: Jornal USP

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